Desencaixotando Helena

Desencaixotando Helena

Desencaixotando Helena é um micro conto de Orlando Rodrigues

De todas as mulheres havidas no mundo até este momento presente, onde, sentado em uma poltrona secular, cunhada na mais nobre madeira de lei, solitário em meu quarto e, com o meu pedido de perdão a todas elas, nenhuma se compara à Helena.

A mulher mais bela que já conheci, ainda mais exuberante que a filha de Zeus e Leda, ou mesmo, Nêmesis e Zeus, cuja lenda a esposaria com o Rei de Esparta, Menelau.

Helena, a grandiosa mulher de olhar sedutor se reconstruía em minha frente, esculpida pelos solavancos de minha respiração já cansada e o lento pulsar do sangue em minhas veias, a cada retrato, gravura ou desenhos que estampavam a Helena de minha adolescência, a mulher que capturou meu coração.

Bela, inteligente e delicada tal qual a Helena retratada por Machado de Assis e tão abastarda quanto ela, subornou a minha alma e encarcerou a minha mente, desde então.

E os anos se passaram, assim como se foram tantas décadas desde que, em meio a uma alucinação incontrolável me libertei das amarras que me prendiam à Helena, tornando-a, para sempre um objeto meu.

Assim, de modo sádico, lunático, débil e selvagem expulsei a alma de Helena, dando fim à sua existência e o fiz com muitas lâminas, todas muito afiadas, algumas serrilhadas, até transformá-la em vários pedaços de várias Helenas, encaixotadas e seladas para se eternizarem, enclausuradas, para o meu prazer, para a minha vingança, para exaltar todo o meu poder que, por todo o sempre, se rendeu a ela.

E agora, a cada folha de papel recheada de lembranças do passado, em retratos encardidos, amarelados e desbotados, vou desencaixotando a sempre minha, Helena.

E Helena foi ressurgindo em minha frente, ainda mais bela, ainda mais sedutora e atraente, enquanto eu, um velho solitário, senil e centenário, de mãos trêmulas, articulações enrijecidas, pele fina e flácida, repleta de escaras, com meu olhar pálido, de olhos ressecados, me esgotava desejando que caísse uma única lágrima capaz de umedecer a secura de minha alma já condenada ao fim eterno.

Helena foi se desencaixotando lentamente, transformada em Sucubus para me invadir e roubar o resto de minha energia vital.

Gradativamente, seu olhar brilhante e cheio de luz secou a minha íris, incinerou a minha retina e me cegou.

Mas meu coração ainda pulsava o resto de sangue saturado que insistia em caminhar vagarosamente pelos finos e quebradiços vasos sanguíneos de minhas artérias para distribuir as últimas moléculas de oxigênio que eu conseguia capturar através da minha fraca e quase nula respiração, totalmente bloqueada em meus pulmões fibrosados.

Eu sentia cada etapa do início de meu fim até receber de Helena o último beijo, vindo de sua boca de lábios úmidos e carnudos, acasalando-se à minha boca, já há muito, sem dentes, sem volúpia, sem tato, sem palato, sem vida.

FIM.

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