Darwin. A oitava vida

Darwin. A oitava vida

O capítulo inicial de Anastasis: Almas Telepáticas traz o conto O gato, uma história perturbadora, com um final mais perturbador ainda. E é no segundo capítulo do livro, onde a sequencia intitulada “Darwin, a oitava vida”, que a história mergulha o leitor em um cenário impactante, denso e sombrio: uma chacina durante a noite de Natal, conduzida por Darwin, um jovem recluso, frustrado e traumatizado. O narrador, surpreendentemente, é Death, um gato fantasmagórico que acompanha Darwin como uma espécie de consciência ou entidade espiritual. Logo de início, a narrativa impressiona com descrições vívidas e cruas dos corpos inertes, vítimas de um envenenamento silencioso, fruto de uma mente que foi gradualmente quebrada ao longo dos anos.

A escrita apresenta uma estrutura que remete ao fluxo de consciência e quebra da linearidade temporal. Death nos guia por memórias entrelaçadas de infância, adolescência e juventude de Darwin, revelando o pano de fundo que o levou ao crime: negligência emocional, abuso sexual velado e explícito, traições familiares e isolamento existencial. O texto vai além do suspense psicológico e toca em temas profundos e perturbadores, como o incesto, a pedofilia, a manipulação e o desprezo parental.

A complexidade do protagonista é apresentada com cuidado: Darwin não é apenas um vilão, mas o resultado de um sistema familiar doentio. Sua obsessão pela morte, cultivada desde cedo nos laboratórios da escola e em experimentos com animais, cresce paralelamente à sua dor emocional. O aparecimento de Death, o gato que ele mesmo matou em sua infância e que retorna como uma entidade telepática, adiciona um elemento metafísico à narrativa, reforçando a linha tênue entre realidade, loucura e espiritualidade sombria.

O autor ousa construir uma atmosfera densa, de inquietação contínua, onde a vingança se torna quase poética, e a violência é justificada por um passado de abusos. O texto evoca emoções contraditórias: repulsa e empatia, choque e compaixão. O leitor não consegue desviar os olhos, mesmo diante das passagens mais perturbadoras.

Ao terminar o capítulo, é impossível não refletir sobre a natureza do mal, sobre o quanto a infância molda nossos demônios, e sobre o que significa, de fato, “renascer”. Darwin é uma alma quebrada, e Death, seu guia espectral, nos convida a mergulhar com eles nesse abismo psicológico, prometendo mais revelações sombrias nos capítulos seguintes.

Relação entre Anastasis: Almas Telepáticas e a série Adolescência (Netflix)

Tanto Anastasis quanto Adolescência exploram as dores invisíveis do crescimento, a crise da identidade e os traumas que se escondem sob a superfície da juventude. Apesar de suas abordagens distintas — o primeiro com uma narrativa marcada por violência simbólica e real, e o segundo com um drama mais introspectivo — ambos os universos compartilham um olhar profundo sobre o impacto da negligência emocional, dos abusos e da solidão no desenvolvimento de adolescentes.

Na série Adolescência, acompanhamos jovens lidando com problemas como ansiedade, depressão, bullying, conflitos familiares e o peso de expectativas sociais. A proposta é mostrar como esses fatores silenciosamente corroem a estabilidade emocional de indivíduos em formação. Há um esforço em humanizar as dores dos personagens, revelando como a adolescência pode ser um território de guerra interna.

Em Anastasis, desde o primeiro capítulo, Darwin representa esse mesmo arquétipo do adolescente à deriva — mas levado ao extremo. O que na série é contido em silêncios, diálogos ou pequenas fugas do cotidiano, no livro se transforma em uma tragédia brutal, onde a revolta e a dor encontram expressão através da violência. O massacre cometido por Darwin não surge como um ato isolado, mas como o ápice de uma vida marcada por traumas, abandono e distorções afetivas — temas que também atravessam Adolescência, mas com outra lente.

Ambas as obras questionam, de maneiras diferentes, o que acontece quando os sinais de sofrimento juvenil são ignorados. Em Adolescência, vemos as consequências emocionais dessa omissão. Em Anastasis, vemos a implosão total: a metamorfose do jovem ferido em um justiceiro distorcido. Em vez de cura, ele busca justiça com as próprias mãos, atravessando a linha entre vítima e algoz.

Outro ponto de conexão está na representação da intimidade como algo frágil e, muitas vezes, violado. Em Anastasis, essa violação é literal e devastadora — o trauma de abusos sexuais por parte de familiares é um dos pilares do colapso de Darwin. Em Adolescência, o corpo também é espaço de conflito e identidade, mas trabalhado de forma mais sutil, com foco na descoberta sexual, nos dilemas de gênero e nos limites do consentimento.

Ambas as obras servem como alertas, mostrando que o silêncio em torno dos traumas adolescentes pode gerar consequências irreversíveis. Se Adolescência oferece possibilidades de reconciliação e autocuidado, Anastasis nos lança em um mundo onde o abandono emocional gera monstros — ou talvez, almas que só queriam ser ouvidas antes de romperem por completo.

A história não termina aqui. apenas começa. Mais sobre Anastasis em breve. Baixe o livro, clicando aqui.

Assine o blog e acompanhe os posts deste site.